A Planície  de Inundação  do Alto Rio  Paraná

Introdução

 

O rio Paraná, principal rio da bacia do Plata, é o décimo maior do mundo em descarga, e o quarto em área de drenagem (5,0.108 m3/ano; 2,8.106 km2, respectivamente), drenando todo o centro-sul da América do Sul, desde as encostas dos Andes até a Serra do Mar, nas proximidades da costa atlântica. 

Por drenar as regiões mais populosas da América do Sul, dentre as quais a região sudeste brasileira, os ambientes aquáticos desta bacia têm sido seriamente afetados pela atividade antrópica. Entre os impactos mais comuns, destacam-se as elevadas cargas de biocidas e nutrientes decorrentes do aporte de esgotos domésticos e da atividade agrícola, desmatamento da vegetação riparia e, principalmente, construção de barragens, que têm alterado o regime natural da cheia e suprimido trechos lóticos e amplas áreas alagáveis do rio Paraná e de seus principais tributários. Neste contexto, merecem destaque os rios Grande, Tietê e Paranapanema que, além de receberem elevados aportes de compostos químicos das atividades agrícolas e urbanas, foram virtualmente transformados em cascatas de reservatórios a partir da década de 60.

Esses tributários, considerados entre os principais da bacia do Alto rio Paraná, situam-se a montante da Área de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração da Planície de Inundação do Alto Rio Paraná (“site” número 6). No entanto, os tributários que desembocam diretamente na área da planície, que drenam terrenos dos estados do Mato Grosso do Sul e Paraná, também apresentam elevado grau de degradação em virtude de aportes de esgotos, biocidas e fertilizantes agrícolas, muito embora estes rios ainda não se encontram represados como aqueles dos estados de Minas Gerais e São Paulo.

Essa situação, preocupante sob a ótica ambiental, faz com que a Planície do Alto Rio Paraná assuma importância capital como um remanescente ainda relativamente bem conservado de áreas alagáveis do rio Paraná. Deve-se enfatizar que esta planície representa o último trecho deste rio, em território brasileiro, onde ainda existe um ecossistema do tipo “rio-planície de inundação” (senso Junk et al., 1989 e Neiff, 1990). Por possuir uma considerável variabilidade de habitats aquáticos e terrestres, este sítio ainda conserva uma grande diversidade de espécies terrestres e aquáticas. Os pulsos de inundação são considerados a principal função de força que regula a estrutura das comunidades e o funcionamento deste tipo de  ecossistema. Muito embora alterados razoavelmente pela operação da cadeia de reservatórios de montante, os ciclos hidro-sedimentológicos ainda respeitam certa sazonalidade, contribuindo para a manutenção de várias espécies a ele adaptadas (Agostinho & Zaleswiski, 1996; Thomaz et al., 1997). 

Em face de sua importância como local representativo de um ecossistema rio planície de inundação, todo o remanescente ainda não represado da Planície de Inundação do Alto Rio Paraná, que se estende desde a foz do rio Paranapanema até o início do reservatório de Itaipu, onde se posicionavam as antigas e extintas Sete Quedas (22o 45' S; 53o 30' W), foi transformado na Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, criada pelo Governo Federal. A metade inferior desta área pertence ao Parque Nacional de Ilha Grande e a foz do rio Ivinheima, também nela incluída, pertence ao Parque Estadual do Ivinheima. A região incluída no “site” 6” ocupa praticamente a metade superior da APA, ou seja, 526.752ha dos 1.000.310ha dessa unidade de conservação e inclui todo o Parque  Estadual do Ivinheima (Figura 1).

Resultados alcançados

Os resultados obtidos até o momento demonstram haver uma grande relação entre a dinâmica das características limnológicas e das comunidades aquáticas e paludícolas e os pulsos hidrosedimentológicos do rio Paraná, confirmando a hipótese de que os pulsos seriam a principal função de força na Planície. Embora os pulsos de inundação ocorram simultaneamente aos pulsos da temperatura (inverno seco e verão úmido), o que dificulta a identificação do papel isolado de cada uma dessas funções de força, a existência de períodos em que as cheias falharam, foi importante para demonstrar o papel preponderante deste fator sobre a limnologia de lagoas da planície bem como sobre a composição de algumas assembléias (Thomaz et al., 1997; Agostinho et al., 2000). Porém, a temperatura, uma função de força que atua regionalmente, juntamente com a precipitação pluviométrica e os ventos, que podem atuar localmente, também são consideradas importantes funções de força na Planície.

Também ficou fortemente evidenciado que a integridade dessa planície é fundamental para a manutenção dos níveis atuais de recrutamento que sustentam a pesca neste trecho da bacia. Além disso, diversas espécies presentes na região são componentes da listas de espécies ameaçadas de extinção, publicadas pelos órgãos de controle ambiental.

Se por um lado, ficou claro o importante papel do regime hidro-sedimentológico do rio Paraná sobre a estrutura e a dinâmica da Planície, os estudos realizados também demonstraram que esta função de força tem sido acentuadamente alterada pela operação dos reservatórios de montante. Este fato é preocupante, pois se as alterações forem agudas, poderão ocorrer extinções locais de espécies cujo ciclo de vida encontra-se acoplado ao regime de cheias. A alteração do regime natural de cheias tem sido considerada como a principal fonte de impacto identificada na região e os resultados obtidos têm servido para alertar os órgãos ambientais e as operadoras das barragens sobre suas prováveis conseqüências sobre a biodiversidade local.

As implicações do regime de cheias têm também consideráveis impactos diretos e indiretos sobre a geomorfologia e as populações da região, particularmente aquelas mais relacionadas à pesca e aos recursos aquáticos.

Conforme a exposição acima, alguns avanços foram alcançados e atualmente existe um razoável acúmulo de conhecimento sobre a região. 

Com o projeto PELD, procurou-se abranger escalas espaciais e temporais até então não empregadas nos estudos da planície. Em uma primeira etapa, julgou-se adequado empregar um enfoque que priorizasse uma escala espacial ampla, que viesse a aprofundar o diagnóstico ambiental da área. 

Desta forma, nos dois primeiros anos de projeto, 2000 e 2001, foram alocadas 36 estações de amostragem com diferentes graus de conexão com os rios Paraná, Baía e Ivinheima. Embora esta malha de estações contemple prioritariamente lagoas permanentes e temporárias, vários ressacos, canais e a calha dos rios principais também estão sendo investigados nesta etapa. Cabe ressaltar que a maioria destes ambientes nunca havia sido investigada. Já em 2002, após identificar os padrões que relacionam variáveis independentes (como clorofila-a, densidade de diferentes assembléias aquáticas) com fatores chaves (como níveis fluviométricos, temperatura, concentrações de fósforo total), identificou-se habitats característicos da planície que passaram a ser monitorados nesse ano e assim o serão ao longo de todo o programa PELD. 

Portanto, o monitoramento de longo prazo de habitats selecionados, objetivo maior do PELD, será desenvolvido. Acredita-se que o monitoramento de longo prazo será fundamental para avaliar o papel de eventos que afetam a planície em ciclos plurianuais. Pode-se citar como exemplo os efeitos do fenômeno “El niño”, que afeta a pluviosidade e o regime hidro-sedimentológico do rio Paraná, e os efeitos decorrentes da operação de barragens situadas a montante.

Referências

Agostinho, A. A., Zalewsky, M. 1996. A planície alagável do alto rio Paraná: importância e preservação. Maringá, Eduem, 100pp.

Agostinho, A.A., Thomaz, S.M.; Minte-Vera, C.V.; Winemiller, K.O. Biodiversity in the high Paraná river floodplain. In: B. Gopal; W.J. Junk; J.A. Davis (Eds.) Biodiversity in Wetlands: assessment, function and conservation. New Delhi: School of Environmental Sciences Jawaharlal Nehru University, v.1, p. 89-118, 2000.

Junk, W. J., Bayley, P. B., Sparks, R. E. 1989. The flood pulse concept in river-floodplain systems. Canadian Journal of Fisheries and Aquatic Sciences 106: 110-127.

Neiff, J.J. 1990. Ideas para la interpretacion ecológica del Paraná. Interciencia 15(6): 424-441.

Thomaz, S. M., Roberto, M. C. & Bini, L. M. 1997. Caracterização limnológica dos ambientes aquáticos e influência dos níveis fluviométricos. In: Vazzoler, A. E. A. M., Agostinho, A. A. & Hahn, N. S. (eds.) A planície de inundação do alto rio Paraná: aspectos físicos, químicos, biológicos e sócio-econômicos. Maringá, Eduem. p. 73-102. 

 


Figura 1. Localização da área de Pesquisas de Longa Duração da Planície Alagável do Rio Paraná e suas relações com as unidades de conservação existentes na região.

 

UEM - Universidade Estadual de Maringá
Nupelia
- Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aqüicultura
Pea - Curso de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais